sábado, 3 de abril de 2010

"Como um diário aberto ou a crônica de uma geração"

por Lafaiete Jr./Alto-Falante

Em algum dia de 2007, os gaúchos da Superguidis lançavam o segundo álbum da carreira, “A Amarga Sinfonia do Superstar”, chamando a atenção para aquilo que parecia inevitável: os “guris” estavam mais maduros. Ainda assim a jovialidade do disco de estreia permeava as entrelinhas das canções, revelando o possível novo caminho que a banda poderia seguir. Algo como uma “banda de carreira”, como já disse alguém. A banda não fica presa àquilo que deu o start na carreira. Ela parece ter a intenção de crescer, evoluir. Não, não são todas as bandas que apresentam tal intenção. Algumas recriam o mesmo disco a cada lançamento. O que, até agora, não é o caso aqui.

E eis que o terceiro álbum da Superguidis conhece o mundo. Registro aguardado, principalmente por ser a prova cabal dos novos rumos (ou não) da banda, o disco chegou ao plano virtual antes do real, garantindo ao grupo um status de banda grande. O álbum “Superguidis”, conhecido também como “Terceiro”, se mostra difícil em uma primeira audição, mas ganha corpo e crédito com o tempo. Andrio (vocal e guitarra) e Lucas (guitarra e vocal), que dividem as composições da banda, estão mais sérios? Sim. Mais sóbrios? Sim, mas não muito. Na casa dos vinte e poucos anos, a vida ainda não parece ter aquele peso como os adultos a concebem. Ainda há espaço para os temas que eles cantavam lá em meados de 2006, quando lançaram o primeiro álbum. Só que de uma perspectiva diferente. Uma perspectiva madura de um jeito torto. Os mesmos temas estão mais sérios, evoluíram. As melodias não apresentam muita diferença. Mas isso pode ter outro nome: identidade.

Desilusões (“As Camisetas”), pé na bunda (“Casablanca”) e polaróides do jovem de classe média (“Quando Se É Vidraça” e “Não Fosse O Bom Humor”) permeiam o álbum ao lado do medo que o peso da vida de gente grande traz sem pedir licença (“O Usual”). Além da vida adulta propriamente dita (“De Mudança”). Tudo isso sem perder ou mesmo deixar o passado de lado (“Fã Clube Adolescente”). Talvez a faixa que melhor represente a fase de transição da banda seja “Nova_completa”, na qual o personagem da letra assume o fato natural de envelhecer ao mesmo tempo em que pede sua rotina de volta, com guitarras entrelaçadas servindo de base.

Para fechar, a direta “Aos Meus Amigos” pode sintetizar bem o que é o disco com os últimos versos da segunda parte “Aos meus amigos toda a acidez / De um abraço embriagado / E a simplicidade de quem tem / Um par de tênis furado”. Como se todo o álbum fosse um trabalho conceitual, em que uma música é complemento da anterior. E aqui fosse, realmente, o grande final. Quando o personagem que caminha por todas as canções dá um adeus mais tranquilo, revelando que ainda guarda algo de sua adolescência, nem que seja o All Star furado. A canção demonstra, no final da parte instrumental, uma audácia ainda não vista nos discos anteriores da banda (o que acontece também em “Roger Waters”, com piano e cordas que causam estranhamento de início).

A Superguidis continua se comunicando de igual para igual com seu público, emoldurando o que vive, o que não gostaria de viver, o que o aflige, o que o faz lamentar e ter medo. Como se fosse um diário aberto ou a crônica de uma geração de classe média ávida por alguém que berre aquilo que ela tem vontade de gritar. Mas levando em consideração o tamanho do Brasil, os Guidis ainda são pequenos. Não vão tocar em FMs de meia em meia hora. Muito menos serão lembrados daqui alguns anos pelo Fantástico. Em contrapartida eles fazem música de acordo com sua capacidade e seu tempo. E isso, diante de uma indústria ainda perdida ao redor do seu próprio umbigo, às vezes basta.

“Superguidis” não parece ser o grande álbum da banda. O disco aponta caminhos, sem dúvida. Mas eles ainda não estão totalmente maduros. E isso não é necessariamente negativo. O pingo de juventude ainda corre nas veias, nas guitarras e nos versos do quarteto gaúcho. Vamos esperar pelo futuro.

Bônus: faixa a faixa, por Marco Pecker

1 - Roger Waters

Quando o Lucas nos apresentou esta música, notei realmente a diferença e a maturidade pela qual passamos desde o primeiro CD, lançado há um tempo por um cara chamado Fernando Rosa.

Esta música foi definida de cara a primeira do disco. Queríamos mostrar que mudamos e ela é o divisor de águas da Superguidis. Arranjos de cordas, piano, apenas violão, sem a parede de guitarras. Ela é para se ouvir e pensar: “isto é Superguidis? Não é que é mesmo, e é bom”.

2 - Não Fosse O Bom Humor

Carinhosamente chamada pela banda de BH (sim, colocamos apelidos em quase todas as músicas), ela foi estrategicamente escolhida como a segunda faixa por contrapor-se a Roger Waters. A calmaria criada na primeira faixa vem com o esporro juvenil e gritante logo em seguida. Um cara que se repreende, que passa sufoco no trabalho, na escola e que ainda assim tem bom humor para aguentar tudo isso, é o resumo da vida da Superguidis.

Ela é uma enxurrada de guitarras do começo ao fim. No inicio eu pensei: “onde vai ficar a bateria no meio de tanta guitarra?”. E não é que ela está lá, firme e forte para martelar no ouvido de todo mundo. Esta música acompanha um videoclipe facilmente encontrado no Youtube. Quem não entendeu o significado dela, assista o clipe.

3 - Visão Além Do Alcance

Esta foi a primeira música que decidimos “brincar” com as cordas. A demo deste disco foi toda gravada na garagem da minha casa, totalmente caseiro mesmo. As guitarras que entram em 1m10seg ficaram lindas, e elas entregam para as cordas a responsabilidade de continuar assim. Dito e feito. As cordas que no começo eram apenas para “brincar” acabaram ficando no lugar do solo da guitarra.

4 - As Camisetas

Não sei por que, mas o início dessa música me lembra algo da PJ Harvey ("As Camisetas" tem o apelido de “PJ”). A parede de guitarras que vem junto com o refrão esbarra em qualquer possibilidade de alguém querer dizer que “por que será que sempre chove toda vez que alguém te abandona” seja uma frase clichê.

5 - Quando Se É Vidraça

Uma das minhas preferidas, tanto na letra quanto nos arranjos. Um dia ouvi Foo Fighters. Aquele dia foi a minha perdição (risos). “Quando Se É Vidraça” (apelidada por nós de “pagode”) inicia mais ou menos como chuva de verão, sabe? No começo são só uns pinguinhos, aí o cara acha que não dá nada, vai sair e não vai se molhar, quando vê é tarde, tá lá todo molhado.

Quando tem a parada, nos 2min21seg, parece que foi pensada exatamente para nós darmos uma descansada (risos), pois ela é daquelas que dá vontade de tocar como se fosse a última vez na vida. Dá para notar como a gente se entrega nesta música pela respiração ofegante do Andrio no final, aos 3min13seg.

6 - Fã Clube Adolescente

Ela me faz acreditar que ainda é possível fazermos músicas como "Malevolosidade" ou "O Raio Que O Parta", direta, reta, bateria marcada e com uma guitarra que parece uma caixa de abelha gritando no ouvido. Sou apaixonado pelo bumbo desta música. Senhores ouçam este bumbo! O refrão diz exatamente o que somos, principalmente quando estamos os quatro juntos. Nem o Fernando Rosa nos aguenta (risos).

7 - De Mudança

A cereja do bolo como costuma falar Philippe Seabra [produtor do disco]. Se existe aquele filho que o cara mais gosta (não sei se existe isso, ainda não sou pai), taí ela. Tem o apelido de “Supla”, porque o Andrio costuma cantar nos ensaios imitando a voz do dito cujo (risos), uma obra. Acredito ser a mais bela música do disco, a letra é simples e ao mesmo tempo forte, da a sensação de que em algum momento da vida tu vai olhar pra tua senhora excelentíssima companheira e dizer “eu prometo que não saio deste lugar”.

Tem momentos distintos dentro da mesma música. É como se uma faixa se encontrasse com outra. Podemos dividi-la em: apresentação, até os 1min26seg; depois vem crescendo até os 2min14seg; neste momento abre-se a caixa de abelha, deste ponto até os 2min51seg quando a ouvi gravada pela primeira vez eu pensei: “Alice in Chains”. Alí eu chorei (risos).

Ela fecha com uma porrada. Três toneladas de guitarras mais baixo mais bateria te abraçando.

8 - Casablanca

Esta é uma música muito pessoal do Lucas, então eu não sei nem se consigo falar algo sobre ela. O refrão diz tudo e a mensagem é direta. Alguém deve ter entendido muito bem o que ele quer dizer. Lembro de ter escrito no Twitter a mensagem: “agora sim temos um disco de rock”. Foi logo após termos recebido esta música da pré-mix. As guitarras estão estrondosas, quando elas entram aos 48 segundos. É de estourar alto-falantes. A bateria está monstruosa também. Quando volta da parada a música segue uma melodia mais calma. Esta é a idéia, estamos começando a nos despedir, o disco está chegando ao final. Uma curiosidade que só rola nos ensaios: o Andrio começa "Casablanca" cantando "Dreams", do Cranberries.

9 - O Usual

“O Usual” para mim é a música mais estranha do disco. Eu demorei a entendê-la. Algo nela passa uma melancolia que em nenhuma outra música da Superguidis eu tinha sentido, é mais uma música do Lucas e tão pessoal como “Casablanca”. Não consigo imaginar “brincarmos” com ela como fazemos com as outras músicas. Digamos que ela seja o lado negro deste disco. Não que o lado negro seja ruim, mas é o momento de absorver a letra, muito mais do que as guitarras.

10 - Nova_completa

Está aí uma balada que me lembra “O Banana”, só que a primeira versão foi há uns oito anos. O cara cresceu e agora ele está largando de mão este papo de sofrer por algo que não vale mais a pena. O solo em 1min41seg é o mais próximo que podemos chegar do Pearl Jam. Quem me dera ter a capacidade de fazer algo parecido com o que o Dave Abbruzzese faz.

11 - Aos Meus Amigos

Esta faixa foi pensada em todos os pedacinhos, desde a guitarra com slides até as cordas. Queríamos algo enxuto, que soasse como um quarteto de cordas e não uma orquestra. Acredito que foi a música que mais deu trabalho e ela fecha mais uma fase da Superguidis. Esperamos ter alcançado as expectativas que todos tinham deste disco. Agora podemos dizer “Pronto, entregamos um disco com 11 faixas e nos orgulhamos dele”. É o auge de nossa competência musical, pelo menos até agora.

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