sábado, 24 de abril de 2010

Um mestre sem discípulos

Cristiano Bastos - O Estado de S.Paulo

Hendrix será sempre imbatível. Mesmo porque as novas bandas não ligam muito para solos de guitarra

Califórnia, Estados Unidos, 18 de junho de 1967. Clímax do verão do amor. No backstage do Monterey Pop Festival, Jimi Hendrix e Pete Townshend tiram cara ou coroa para saber qual banda sobe ao palco primeiro: The Who ou Experience? O Who ganha e Hendrix sente a boca amargar. Afinal, o que qualquer guitarrista do mundo poderia fazer para impressionar o público depois de um Pete Townshend no auge de sua forma? Townshend termina o show quebrando tudo, literalmente, amplificadores, bateria, tudo. E Hendrix, por mais que seus solos já tivessem força própria, sentiu que precisava de mais. Ao tocar Wild Thing, tirou um isqueiro do bolso, jogou o fluído sobre a guitarra, ateou-lhe fogo e fez lenda com sua Fender Stratocaster agonizando em chamas.

Quarenta anos após a morte de James Marshall Hendrix, em 1970, o guitarrista é recolocado em cena por força de lançamentos que, ao contrário de efemérides recentes como a dos Beatles, vem com combustível inflamável, bem ao gosto de Jimi Hendrix. Em julho, a gravadora Sony vai reeditar o catálogo com quatro álbuns oficiais de Hendrix remasterizados: Are You Experienced?, Axis: Bold As Love, Cry of Love (também conhecido como The First Rays of New Rising Sun, que vem com outakes) e Eletric Ladyland. Os discos virão com um documentário contando a história das gravações dos álbuns, com direção de Bob Smeaton, o mesmo que fez Anthology, dos Beatles. E desde março, começou nos EUA a Experience Hendrix Tour 2010, com guitarristas como Joe Satriani, Kenny Wayne Shepard e o baixista Billy Cox, ex-parceiro de Hendrix.

Apesar de ter guitarristas de mãos cheias celebrando vida longa a Hendrix, os solos de guitarra não são mais os mesmos. As décadas que separam o guitarrista de Seattle de bandas como Vampire Weekend e Coldplay fazem perguntar, afinal, por onde andam as viagens em notas pelas quais Hendrix tanto batalhou? As bandas se cansaram dos solos? Ou os jovens não querem mais ouvi-los?

A resposta mais óbvia seria a de que Hendrix, mesmo enterrado há quatro décadas, teria chegado a algum lugar do futuro com seu instrumento que até hoje guitarristas não conseguiram atingir. "Ainda sinto "emanações espirituais" de Hendrix toda vez que tocamos com o grupo Hendrix Experience Tour", diz ao Estado Billy Cox, baixista que tocou com Hendrix na formação Band of Gypsys.

Outra resposta à crise dos solos pode estar na origem dos novos guitarristas. Jack White, ícone dos anos 2000 com seu White Stripes, é uma referência atual sem nunca ter colocado fogo em seu instrumento. Apesar de ter técnica de sobra e atacar a guitarra com ferocidade, não dá a mínima a viagens hendrixianas. Hendrix, por sua vez, bebeu em um lago que só fica mais raso a cada geração: o blues, gênero que fez existirem Eric Clapton, Jeff Beck e Jimmy Page. "Nosso pai tinha uma imensa coleção de álbuns de artistas de blues. Jimi ficava ouvindo e estudando dia e noite. Em cada uma das audições, ele alimentava sua inspiração", conta Janie Hendrix, irmã de Jimi. Ela lembra que, nos tempos de garoto, o irmão queria mesmo era se formar em publicidade e propaganda. "Ele adorava desenhar enquanto escutava os velhos bluesmen na vitrola."

Jack Endino, produtor de grupos como Nirvana e Mudhoney, deixa as coisas mais difíceis. Hendrix, para ele, criou um novo padrão, um caminho sem volta para quem quiser tocar ou gravar o instrumento. "Jimi realizou façanhas em estúdio que jamais haviam sido alcançadas."

A visão daquilo que é solo de guitarra transforma-se com os anos. Se a partir da metade dos 60 até o fim dos 70 significava altas e infinitas viagens, influenciadas pela aura lisérgica da época, nos 80 se diluiu em "clima", criado pelas mãos leves e sábias de The Edge, do U2, que inventou uma nova função para a guitarra, à base de timbres, efeitos e acordes abertos, sem tirá-la da linha de frente. Os anos 90 foram marcados pelo rock do não-solo feito pelo grunge de Kurt Cobain. E nos anos 2000, com a revolução da internet, o que menos preocupa os garotos é a performance acrobática de seus guitarristas. "Aqui no Reino Unido, as guitarras perderam o lugar para os sintetizadores dos anos 80. É parte do revival que está rolando agora", fala o baterista da banda inglesa Shadow Riots, Gaylord Knott, de Manchester.

"Não temos cacife pra solar. Pensamos em elaborar mais as bases mesmo e os riffs que conversam entre si", diz o jovem Andrio Maquenzi, guitarrista da banda gaúcha Superguidis, que acaba de lançar seu terceiro CD. Fernando Catatau, cabeça privilegiada da banda Cidadão Instigado, guitarrista e produtor ícone da nova geração de cantores e compositores que surgem em São Paulo, vai no mesmo tom. "Ainda tem bandas muito voltadas para o solo, como Mars Volta. Mas é um lance que, na real, foi largado. Antigamente, era todo mundo solando. Hoje, os solistas são do segmento da música instrumental. Os grupos capricham mais nas bases."

Se a guitarra vive dias de ressaca, o que explicaria então o sucesso mundial de um jogo como o Guitar Hero, em que a graça é fazer o solo dos grandes mestres o mais fiel possível ao original, usando uma guitarrinha de plástico? O músico Gustavo Martins, do Ecos Falsos, faz a associação. "O solo clássico, aquele momento em que a banda para e o guitarrista tem seu momento de glória, caiu mesmo em desuso com o fim dos rock stars. Na maioria dos casos também, convenhamos, não era nada que servisse à música: era mais um negócio de "eu consigo, você não". Daí o sucesso do Guitar Hero e do Rock Band, que permitem às pessoas experimentar essa egotrip." Edgard Scandurra, mais importante guitarrista do rock nacional dos anos 80, tem esperanças no giro da roda. "O rock revisita-se o tempo todo. Chegará o dia em que guitarristas vão ressurgir como solistas."

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A reconfiguração iminente

Por Anderson Foca, Natal/RN

Tours constantes, produtores e novos modelos podem reconfigurar a música brasileira em pouco tempo.

A cena é comum fora do Brasil. Banda organiza o trabalho artístico por uns seis meses, nesse mesmo período grava e começa a agendar tour para mostrar o trabalho ao vivo para o máximo de pessoas e lugares que conseguir. Vai gerando clipping, aumentando seguidores em sua rede social, disponibilizando mais conteúdo e continuando a tocar.

A primeira ida nas cidades é quase sempre para não mais que 50 pessoas em dias de semana e locais sem muita estrutura. As idas se repetem e o interesse do público vai aumentando. A mídia começa a prestar atenção, a banda começa a ser chamada para festivais de médio porte e quando menos se espera aparece por aí mais um Artic Monkeys, que toma a cena de assalto e a maioria das pessoas ?comuns? não sabem explicar de onde os caras vieram e com fizeram um sucesso tão estrondoso e tão ?rápido?.

Sempre foi um problema para a cena independente brasileira a falta de uma estrutura de pequeno e médio e porte que suporte esse tipo de trabalho por aqui. Parece que essa lógica ?on the road? finalmente começa a acontecer com mais constância graças ao trabalho de gente abnegada e interessada em criar juntos um espaço sólido para os novos rumos da música nacional. São bandas, coletivos, produtores, pontos de cultura, festivais, pequenos pubs, blogs, fotógrafos, jornalistas, entre outros agentes integrados por um bem comum que é de fazer circular e dar possibilidades para o novo.

O fenômeno não é novo, mas agora parece ser um caminho sem volta, ainda bem. Usando como dados as ações do Fora do Eixo, hoje uma das principais plataformas dessa nova lógica de circulação, os números impressionam. Em apenas três meses desse começo de ano e sem contar as ações de festiviais como o Grito Rock, também organizado pelo circuito, mais de 80 shows foram realizados no Brasil com esse viés de tour, de tocar todo dia, de explorar lugares pouco visitados, interiorizando rotas e abrindo novas frentes de trabalho e produção. Bandas como Caldo de Piaba (AC), Camarones Orquestra Guitarrística (RN), Calistoga (RN), Burro Morto (PB), Cabruêra (PB), Minibox Lunar (AP), Nevilton (PR), Porcas Borboletas (MG), Macaco Bong (MT), Superguidis (RS), Black Drawing Chalks (GO), entre outras, devem chegar ao final do ano com média de 70 a 100 datas anuais, um número surreal para os padrões nacionais e para a cena independente como um todo.

Alguns podem perguntar: e essas rotas são viáveis? Dá para viver da banda ficando na estrada o tempo todo? A resposta é clara. Se o seu dia-a-dia for a banda dá sim. Claro, não há luxo, não a glamour ?estilo Van Halen?, mas há um senso de honestidade e de respeito que gera trabalho e dinheiro. Ninguém chama banda para grandes eventos se ela não tiver currículo e emitir um sinal de que está ?na pista? e quer circular. Nenhum curador de edital lembra de um grupo sem ele ter ajudado tocando e se divulgando e é dessa forma que as bandas crescem, mudam de patamar e passam a ser viáveis.

É importante perceber também que não são só as bandas que se consolidam com um dia-a-dia sólido. Hoje muito produtores e espaços pequenos estão arrumando financiamento, se estruturando e melhorando as condições de circulação. Quando as ações crescem o mercado acompanha e é essa soma de forças que vai dando solidez para a atividade de música no Brasil.

Claro. Os modelos são vários, os formatos são dinâmicos, mas muito me alegra que finalmente estejamos dentro de um circuito que integra uma centena de festivais, duas centenas de espaços e gente em todas as regiões dispostas a fazer a coisa funcionar. O futuro é agora, vamos aproveitar!

* Publicado originalmente no site Nagulha.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

MTV Brasil: Superguidis em Manaus, neste sábado

AM/Felipe Carvalho

Já faz tempo que eu não ouvia tantos comentários sobre um show em Manaus quanto a vinda do Superguidis a cidade. Sério, é como se o ano de 2010 fosse começar só agora, neste sábado, quando as luzes voltam a brilhar no antigo Tulipa Negra.

E se na cidade o sentimento é de começo, para os Guidis, a noite de 17 de abril também pode ter essa mesma sensação.

A apresentação em Manaus marca o início da turnê dos gaúchos. O terceiro álbum da banda, homônimo, foi muito bem recebido pelo público, que colocou o quarteto no topo do Trending Topics Brasil, quando as músicas ‘vazaram’ na net, depois que o SenhorF (gravadora da banda) divulgou um link com as mp3 para alguns jornalistas.

Superguidis nasceu em 2002 e lançou o primeiro álbum em 2006. Desde então, muitos fãs manauaras esperam os gaúchos na capital amazonense.

A universitária Luana Aleixo é uma dessas pessoas que conta as horas até ver eles subirem no palco. A espera foi tanta que ela propõe um repertório com TODAS as músicas da banda. #Fikadika

Para Olívia de Moraes, a noite vai ser ainda mais especial. Guitarrista e vocalista da Anônimos Alhures, ela vai tocar na abertura do show da banda que Olívia é fã declarada. As expectativas dos Anônimos são as melhores. Com baterista novo, esta é a primeira vez que eles se apresentam ‘dos veras’ com a formação atual e prometem um repertório repleto de músicas próprias.

A confirmação do show do Superguidis pegou muita gente de surpresa, pois não foi precedida pelos famosos ‘rumores’.

Quem traz os Superguidis é a Tum Tum Produções. O evento intitulado Na Balada do Coelhinho é tradicional da produtora para o mês da Páscoa. A presença do ‘néctar de cenoura’ (um gammy de fórmula misteriosa, com altas doses de vodka) promete deixar a noite ainda mais quente.

Imagens e música do Amazonas: o AM é escrito pelo jornalista Felipe Carvalho e é destinado a promover a cultura urbana da capital e muito além.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Em terceiro álbum, quarteto gaúcho se mostra engajado por mudanças sonoras

Até pouco tempo a expressão “rock gaúcho” era sinônimo de letras engraçadinhas, sonoridade voltada aos anos 60/70, flertes com a jovem guarda, música brega e visual retrô. Era a chamada “ditadura do terninho”.

Dentro desse panorama, a estreia do Superguidis (homônima) em 2006 foi recebida como um sopro mais que esperado de renovação. Ainda que as letras contivessem lá seus gracejos, elas eram mais reflexo de jovens músicos adolescentes procurando um modo conveniente e original de se expressar do que o revolvimento de idiossincrasias regionais. Mas o que fisgou muita gente foi a sonoridade calcada nas guitar bands dos anos 90 feita de maneira que não soasse mera cópia.

Essa estreia foi considerada um dos melhores CDs daquele ano. A expectativa para o seu sucessor passou a ser grande, naturalmente. A Amarga Sinfonia do Superstar (2007), com guitarras estridentes em primeiro plano, serviu mais para dividir opiniões do que para um ritual de passagem. Um lado da crítica o recebeu como uma evolução natural dos gaúchos, enquanto o outro, talvez saudoso das letras “graciosas”, preferiu lançar mão do argumento de que eles “cresceram rápido demais” – no meio do tiroteio sobrou até para o produtor do disco, Philippe Seabra.

Imaginem então a cara de satisfação dessa turma quando ouvirem “Roger Waters”, a bela faixa de abertura do terceiro álbum. Com Andrio Maquenzi cantando da maneira mais melódica possível, a música é a seriedade em si: tem dedilhado de violão, piano e arranjos de corda. Mas o que foge à compreensão dessa parte da crítica é que, dos adolescentes engraçadinhos do primeiro disco para os jovens na casa dos 25 anos deste recém-lançado CD, um turbilhão de mudanças passou pela vida da banda, tanto no campo artístico como no pessoal.

E eles não tiveram vergonha alguma de transpor essas evoluções e o amadurecimento de algumas ideias para suas músicas, como fizeram no segundo disco e repetem agora. A própria “Roger Waters”, completamente dissociada da sonoridade característica deles, é a que melhor simboliza essa vontade de mostrar ao mundo de que podem sempre evoluir.

“Não Fosse o Bom Humor” vem em seguida, com os riffs poderosos soando alto e com Andrio gritando novamente a plenos pulmões, levando a crer que o Superguidis “das antigas” está de volta. Já “Visão Além do Alcance” dá uma rasteira nesse raciocínio. Nela, também com um maravilhoso arranjo de cordas, o trabalho da cozinha rítmica formada por Diogo Macueidi (baixo) e Marco Pecker (bateria), antes escondida na espessa parede de guitarras formada pela dupla de guitarristas compositores Andrio e Lucas Pocamacha, finalmente se sobressai. O mesmo acontece em “As Camisetas”, que traz um bem cuidado refrão. É preciso louvar o trabalho feito pelo produtor Philippe Seabra nesse processo de realçar os instrumentos.

Na letra de “Quando Se É Vidraça”, a banda mostra não ter ficado alheia aos comentários negativos da época do segundo disco e deixa um recado aos detratores de outrora. “De Mudança”, com sua letra relatando a emocionante despedida de um casal, tem várias mudanças climáticas: inicia calma, com a guitarra acompanhando a linha vocal, e na hora do último aceno acontece a explosão instrumental.

O encerramento com “Aos Meus Amigos”, de percussão bem trabalhada, guitarra hipnótica, refrão etéreo e linhas apocalípticas de cordas finalizando a música, é outra que também serve de exemplo certeiro da maturação das ideias. O “disco dos triângulos”, como já vem sendo chamado, é a coroação de uma banda que nunca se acovardou em procurar alternativas ousadas para suas músicas, mesmo que essa busca cause estranhamento em seus seguidores.

Leonardo Dias Pereira/Rolling Stone.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Grande disco

* Ricardo Schott

No Brasil, vai entender o motivo, poucas bandas procuraram entender o rock pós-grunge. Ou mesmo reproduzi-lo, ou usá-lo como base. Ou qualquer coisa. Com raras exceções (e praticamente nenhuma dela dizendo “presente!” no mainstream), depois da morte de Kurt Cobain, o som de três-quatro acordes feito no Brasil, engatou a quarta marcha e seguiu na direção do skate-rock, passando direto pela estética e pelo estilo Charlie Brown Jr de ser e de viver. E seguindo, com poucas escalas, até o som de Los Hermanos. Aparentemente, só Pitty chega perto de ser a versão brasileira de um guitar rock nada indie, nada afetado e com uma atitude mais próxima dos anos 70 e 90.

Louvável que uma banda como os Superguidis, com repertório cheio de canções emocionantes e guitarras pesadas – um estilo que foi seqüestrado pelos moleques do emo e recusa-se a se renovar no Brasil – exista e chegue ao terceiro disco. Tem muito de Foo Fighters, Smashing Pumpkins e Sonic Youth (além do próprio Nirvana) ali sim. Mas tem muito da cara própria deles, da felicidade em fazer refrões e melodias bacanas como as de Não fosse o bom humor, Fã clube adolescente, Quando se é vidraça e Visão além do alcance. E de usar uma referência que, para ouvidos atuais pode até soar alienígena (a abertura do álbum é com uma balada acústica, lindíssima, chamada Roger Waters).

Os gaúchos continuam numa linha que agradaria bem mais se saísse dos circuitos independentes e chegasse às rádios. O som tem lá seus lados românticos, mas sem apelar (em De mudança), embora o grupo prefira mesmo é botar na frente sua faceta mais crua, que não precisa de muitas frases bem sacadas nas letras para soar bem no ouvido. Grande disco.

* Laboratório Pop.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Um dos discos mais sinceros, simples e conscientes que eu já ouvi

* Didi Fadul

Quando vejo uma banda que já tem alguns discos e alguns anos nas costas lançar um CD homônimo, fico logo desconfiado que este será, ou pelo menos foi investido pra isso, o trabalho que mudará a vida da banda. Como já perdi as contas de quantos releases saíram em blogs, sites, jornais e revistas sobre este disco do quarteto gaúcho mais adorado do Brasil, e a turnê deles se agiganta a ponto de passear por quase todo o norte, infelizmente não pelo Pará, devo estar certo.

Grandiosamente, como sempre, os Guidis falam ao coração com uma sinceridade que não dá pra ignorar. É quase como compartilhar seus problemas, anseios, amores, saudades e pequenas alegrias com grandes amigos de longa data, daqueles que sabem tudo sobre você.

Abrindo o disco com a bela "Roger Waters", quase um prólogo, os gaúchos de Guaíba dão a falsa impressão de que faltarão guitarras. Que nada! Em seguida, o hit que abriu 2010 mostrando como se deve iniciar uma nova década: "Não fosse o bom humor" jogou o Superguidis no trendtopics no Twitter fácil por alguns dias, transbordando uma melodia, colada nas guitarras altas, bem altas, não se deixando duvidar que o bom rock existe. E mesmo sem entender o que se canta a gente quer balbuciar qualquer coisa pra fazer parte dessa coisa tão legal que é essa faixa. "Traduzo" pra vocês o refrão: não fosse o bom humor, meu estômago todo ia fritar. Segue o clipe:

Em rodas de conversa sobre este disco aqui em Belém é normal se ouvir que qualquer uma poderia ter sido escolhida a música de trabalho pra este CD e cada um acaba pegando pra si uma como preferida. Essa segunda adolescência pelo que passamos, talvez sem o direito de passar, ainda não sei bem, nos faz vibrar todos na mesma freqüência. É meio esquisito saber que caras lá do outro lado do país sentem o mesmo que a gente e vê-los usar termos como "quero mais é que se exploda" de um modo tão poético é fascinante.

Uma das faixas que me chamam mais atenção, nessa altura em que se beira os 30, é "Aos meus amigos", numa delicadeza sem medidas quando trata sobre coisas ruins pelas quais se passa, mas faz uso da simplicidade típica das letras dos Guidis pra dizer-se "melhor assim, que eu não estou só". Poesia pura, nas microfonias, noises, slides, delays, fuzzes, linhas de baixo certeiras, guitarras com single coil que fogem da caretice do que a gente vê normalmente por aí.

Ouvir Superguidis é de apertar o coração. Um dos discos mais sinceros, simples e conscientes que eu já ouvi.

* Didi Fadul, do blog "Pergunte pro Didi".

sábado, 3 de abril de 2010

"Como um diário aberto ou a crônica de uma geração"

por Lafaiete Jr./Alto-Falante

Em algum dia de 2007, os gaúchos da Superguidis lançavam o segundo álbum da carreira, “A Amarga Sinfonia do Superstar”, chamando a atenção para aquilo que parecia inevitável: os “guris” estavam mais maduros. Ainda assim a jovialidade do disco de estreia permeava as entrelinhas das canções, revelando o possível novo caminho que a banda poderia seguir. Algo como uma “banda de carreira”, como já disse alguém. A banda não fica presa àquilo que deu o start na carreira. Ela parece ter a intenção de crescer, evoluir. Não, não são todas as bandas que apresentam tal intenção. Algumas recriam o mesmo disco a cada lançamento. O que, até agora, não é o caso aqui.

E eis que o terceiro álbum da Superguidis conhece o mundo. Registro aguardado, principalmente por ser a prova cabal dos novos rumos (ou não) da banda, o disco chegou ao plano virtual antes do real, garantindo ao grupo um status de banda grande. O álbum “Superguidis”, conhecido também como “Terceiro”, se mostra difícil em uma primeira audição, mas ganha corpo e crédito com o tempo. Andrio (vocal e guitarra) e Lucas (guitarra e vocal), que dividem as composições da banda, estão mais sérios? Sim. Mais sóbrios? Sim, mas não muito. Na casa dos vinte e poucos anos, a vida ainda não parece ter aquele peso como os adultos a concebem. Ainda há espaço para os temas que eles cantavam lá em meados de 2006, quando lançaram o primeiro álbum. Só que de uma perspectiva diferente. Uma perspectiva madura de um jeito torto. Os mesmos temas estão mais sérios, evoluíram. As melodias não apresentam muita diferença. Mas isso pode ter outro nome: identidade.

Desilusões (“As Camisetas”), pé na bunda (“Casablanca”) e polaróides do jovem de classe média (“Quando Se É Vidraça” e “Não Fosse O Bom Humor”) permeiam o álbum ao lado do medo que o peso da vida de gente grande traz sem pedir licença (“O Usual”). Além da vida adulta propriamente dita (“De Mudança”). Tudo isso sem perder ou mesmo deixar o passado de lado (“Fã Clube Adolescente”). Talvez a faixa que melhor represente a fase de transição da banda seja “Nova_completa”, na qual o personagem da letra assume o fato natural de envelhecer ao mesmo tempo em que pede sua rotina de volta, com guitarras entrelaçadas servindo de base.

Para fechar, a direta “Aos Meus Amigos” pode sintetizar bem o que é o disco com os últimos versos da segunda parte “Aos meus amigos toda a acidez / De um abraço embriagado / E a simplicidade de quem tem / Um par de tênis furado”. Como se todo o álbum fosse um trabalho conceitual, em que uma música é complemento da anterior. E aqui fosse, realmente, o grande final. Quando o personagem que caminha por todas as canções dá um adeus mais tranquilo, revelando que ainda guarda algo de sua adolescência, nem que seja o All Star furado. A canção demonstra, no final da parte instrumental, uma audácia ainda não vista nos discos anteriores da banda (o que acontece também em “Roger Waters”, com piano e cordas que causam estranhamento de início).

A Superguidis continua se comunicando de igual para igual com seu público, emoldurando o que vive, o que não gostaria de viver, o que o aflige, o que o faz lamentar e ter medo. Como se fosse um diário aberto ou a crônica de uma geração de classe média ávida por alguém que berre aquilo que ela tem vontade de gritar. Mas levando em consideração o tamanho do Brasil, os Guidis ainda são pequenos. Não vão tocar em FMs de meia em meia hora. Muito menos serão lembrados daqui alguns anos pelo Fantástico. Em contrapartida eles fazem música de acordo com sua capacidade e seu tempo. E isso, diante de uma indústria ainda perdida ao redor do seu próprio umbigo, às vezes basta.

“Superguidis” não parece ser o grande álbum da banda. O disco aponta caminhos, sem dúvida. Mas eles ainda não estão totalmente maduros. E isso não é necessariamente negativo. O pingo de juventude ainda corre nas veias, nas guitarras e nos versos do quarteto gaúcho. Vamos esperar pelo futuro.

Bônus: faixa a faixa, por Marco Pecker

1 - Roger Waters

Quando o Lucas nos apresentou esta música, notei realmente a diferença e a maturidade pela qual passamos desde o primeiro CD, lançado há um tempo por um cara chamado Fernando Rosa.

Esta música foi definida de cara a primeira do disco. Queríamos mostrar que mudamos e ela é o divisor de águas da Superguidis. Arranjos de cordas, piano, apenas violão, sem a parede de guitarras. Ela é para se ouvir e pensar: “isto é Superguidis? Não é que é mesmo, e é bom”.

2 - Não Fosse O Bom Humor

Carinhosamente chamada pela banda de BH (sim, colocamos apelidos em quase todas as músicas), ela foi estrategicamente escolhida como a segunda faixa por contrapor-se a Roger Waters. A calmaria criada na primeira faixa vem com o esporro juvenil e gritante logo em seguida. Um cara que se repreende, que passa sufoco no trabalho, na escola e que ainda assim tem bom humor para aguentar tudo isso, é o resumo da vida da Superguidis.

Ela é uma enxurrada de guitarras do começo ao fim. No inicio eu pensei: “onde vai ficar a bateria no meio de tanta guitarra?”. E não é que ela está lá, firme e forte para martelar no ouvido de todo mundo. Esta música acompanha um videoclipe facilmente encontrado no Youtube. Quem não entendeu o significado dela, assista o clipe.

3 - Visão Além Do Alcance

Esta foi a primeira música que decidimos “brincar” com as cordas. A demo deste disco foi toda gravada na garagem da minha casa, totalmente caseiro mesmo. As guitarras que entram em 1m10seg ficaram lindas, e elas entregam para as cordas a responsabilidade de continuar assim. Dito e feito. As cordas que no começo eram apenas para “brincar” acabaram ficando no lugar do solo da guitarra.

4 - As Camisetas

Não sei por que, mas o início dessa música me lembra algo da PJ Harvey ("As Camisetas" tem o apelido de “PJ”). A parede de guitarras que vem junto com o refrão esbarra em qualquer possibilidade de alguém querer dizer que “por que será que sempre chove toda vez que alguém te abandona” seja uma frase clichê.

5 - Quando Se É Vidraça

Uma das minhas preferidas, tanto na letra quanto nos arranjos. Um dia ouvi Foo Fighters. Aquele dia foi a minha perdição (risos). “Quando Se É Vidraça” (apelidada por nós de “pagode”) inicia mais ou menos como chuva de verão, sabe? No começo são só uns pinguinhos, aí o cara acha que não dá nada, vai sair e não vai se molhar, quando vê é tarde, tá lá todo molhado.

Quando tem a parada, nos 2min21seg, parece que foi pensada exatamente para nós darmos uma descansada (risos), pois ela é daquelas que dá vontade de tocar como se fosse a última vez na vida. Dá para notar como a gente se entrega nesta música pela respiração ofegante do Andrio no final, aos 3min13seg.

6 - Fã Clube Adolescente

Ela me faz acreditar que ainda é possível fazermos músicas como "Malevolosidade" ou "O Raio Que O Parta", direta, reta, bateria marcada e com uma guitarra que parece uma caixa de abelha gritando no ouvido. Sou apaixonado pelo bumbo desta música. Senhores ouçam este bumbo! O refrão diz exatamente o que somos, principalmente quando estamos os quatro juntos. Nem o Fernando Rosa nos aguenta (risos).

7 - De Mudança

A cereja do bolo como costuma falar Philippe Seabra [produtor do disco]. Se existe aquele filho que o cara mais gosta (não sei se existe isso, ainda não sou pai), taí ela. Tem o apelido de “Supla”, porque o Andrio costuma cantar nos ensaios imitando a voz do dito cujo (risos), uma obra. Acredito ser a mais bela música do disco, a letra é simples e ao mesmo tempo forte, da a sensação de que em algum momento da vida tu vai olhar pra tua senhora excelentíssima companheira e dizer “eu prometo que não saio deste lugar”.

Tem momentos distintos dentro da mesma música. É como se uma faixa se encontrasse com outra. Podemos dividi-la em: apresentação, até os 1min26seg; depois vem crescendo até os 2min14seg; neste momento abre-se a caixa de abelha, deste ponto até os 2min51seg quando a ouvi gravada pela primeira vez eu pensei: “Alice in Chains”. Alí eu chorei (risos).

Ela fecha com uma porrada. Três toneladas de guitarras mais baixo mais bateria te abraçando.

8 - Casablanca

Esta é uma música muito pessoal do Lucas, então eu não sei nem se consigo falar algo sobre ela. O refrão diz tudo e a mensagem é direta. Alguém deve ter entendido muito bem o que ele quer dizer. Lembro de ter escrito no Twitter a mensagem: “agora sim temos um disco de rock”. Foi logo após termos recebido esta música da pré-mix. As guitarras estão estrondosas, quando elas entram aos 48 segundos. É de estourar alto-falantes. A bateria está monstruosa também. Quando volta da parada a música segue uma melodia mais calma. Esta é a idéia, estamos começando a nos despedir, o disco está chegando ao final. Uma curiosidade que só rola nos ensaios: o Andrio começa "Casablanca" cantando "Dreams", do Cranberries.

9 - O Usual

“O Usual” para mim é a música mais estranha do disco. Eu demorei a entendê-la. Algo nela passa uma melancolia que em nenhuma outra música da Superguidis eu tinha sentido, é mais uma música do Lucas e tão pessoal como “Casablanca”. Não consigo imaginar “brincarmos” com ela como fazemos com as outras músicas. Digamos que ela seja o lado negro deste disco. Não que o lado negro seja ruim, mas é o momento de absorver a letra, muito mais do que as guitarras.

10 - Nova_completa

Está aí uma balada que me lembra “O Banana”, só que a primeira versão foi há uns oito anos. O cara cresceu e agora ele está largando de mão este papo de sofrer por algo que não vale mais a pena. O solo em 1min41seg é o mais próximo que podemos chegar do Pearl Jam. Quem me dera ter a capacidade de fazer algo parecido com o que o Dave Abbruzzese faz.

11 - Aos Meus Amigos

Esta faixa foi pensada em todos os pedacinhos, desde a guitarra com slides até as cordas. Queríamos algo enxuto, que soasse como um quarteto de cordas e não uma orquestra. Acredito que foi a música que mais deu trabalho e ela fecha mais uma fase da Superguidis. Esperamos ter alcançado as expectativas que todos tinham deste disco. Agora podemos dizer “Pronto, entregamos um disco com 11 faixas e nos orgulhamos dele”. É o auge de nossa competência musical, pelo menos até agora.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Um disco sincero de maneira brutal e brilhante

É aí que a gente ganha a torcida: sendo sincero”, disse o vocalista do Superguids, Andrio Maquenzi, em entrevista a Rolling Stone desse mês. Ele provavelmente está certo. Desde surgiram para o mundo com “Malevolosidade” estourando nas caixinhas de som num distante início de 2006, – pense um tempo em que as pessoas ainda usavam Soulseek e acreditavam no Moptop, o Lúcio ainda escrevia a Popload na Folha, o Youtube ainda era novidade e o Twitter estava a um par de meses de ser parido – os Superguidis eram incríveis porque faziam rock simples, barulhento e deliciosamente inculto e imaturo. Era música que contrastava – e ainda contrasta – tanto com o refinamento universitário de Los Hermanos, Mombojó e Violins (esse último, por aproximação), quanto com o hedonismo sarcástico de editorial de moda de CSS, Bonde do Rolê e Rock Rocket. Era simplesmente difícil não se identificar com eles.

Passado pouco mais de um ano, o lançamento de “A Amarga Sinfonia do Superstar” definiria o que eram (e ainda são) os Guidis como banda, da capa à literal faixa-escondida “Riffs”. Como o próprio Andrio bem nota, os Superguidis eram e são sinceridade juvenil escrita com refrão e distorções. Carne, ossos e guitarras.

No entanto, o álbum apresentava uma face até então desconhecida dos garotos de Guaíba. Muito devido a produção do eterno Plebe Rude Philippe Seabra, os Superguidis tinham passado de uma espécie única banda da segunda-onda do lo-fi brasileiro para talvez o grupo de rock nacional mais certo de suas intenções artísticas (ser uma banda de rock, apenas). Muita gente não gostou dessa recém-descoberta polidez, alegando que a banda tinha ficado “madura demais” para o próprio bem.

O que nos leva a este capítulo. Filho de gestação longa e complicada – foi composto entre 2007 e 2008, gravado no início de 2009 e finalizado só no começo de 2010 – o terceiro álbum dos Superguidis é, de fato, a mais ambiciosa e bem acabada obra dos gaúchos. Um álbum tanto de reafirmação, quanto de expansão do que eles fizeram até aqui.

Apesar mostrar a banda em pleno domínio do seu jogo e em sintonia com suas ambições, talvez não seja correto concluir que este seria o “álbum maduro” dos Superguidis. Não é. Por mais bem acabado que possa soar, “Superguidis” ainda é juvenil. Um álbum no gerúndio. Amadurecendo, não amadurecidos, Andrio (cantando cada vez melhor) e Lucas ainda falam das mesmas coisas de 4 anos atrás – garotas más (“Casablanca”), desilusões (“Camisetas”), dia-a-dia de jovem proletário (“Quando Se É Vidraça”). Ainda sim, num movimento que vem desde o disco anterior, tudo é um pouco mais sério. Os medos são maiores (“O usual”, “Roger Waters”), os relacionamento mais profundos (“De Mudança”), o descontrole emocional mais explosivo (“Não Fosse O Bom Humor”).

Musicalmente essas grandes intenções resultam num álbum em que novos e velhos truques convivem em harmonia. A abertura, “Roger Waters”, é uma balada piano-e-cordas incomum ao repertório da banda (Pink Floyd, quem diria?), que serve introdução para explosão shoegaze-via-Billy-Corgan de “Não Fosse O Bom Humor”, a carta de intenções do disco. Sem dúvidas, a transição entre as duas faixas iniciais é talvez o momento mais arrebatador do rock nacional em muito tempo.

De novidade, ainda há a combustão lenta de “De Mudança” (que Andrio escreveu quando saiu de casa para morar com a namorada) e os sutis arranjos de cordas espalhados por “Visão Além do Alcance” e “Aos Meus Amigos”. As mudanças, no entanto, não significam que eles perderam a verve para escrever rocks simples e radiofônicos (que infelizmente ainda não tocam na rádio), como bem mostram “As Camisetas” (“por que sempre chove quando alguém te abandona?” é um refrão mais populista que eles já fizeram) e “Fã-clube Adolescente”.

“Aos Meus Amigos”, que encerra o álbum, talvez seja a que melhor defina a fase atual da banda. É uma meia-balada refrão simples e eficiente – apenas a frase “Melhor assim que eu não estou só” cantada sobre bela cama de guitarras – que se permite floreios épicos antes de por fim aos 34 minutos de disco. Não é exatamente triste, nem profunda, mas deixa transparecer que há uma seriedade e um senso de compromisso a espreita. Emociona sem esforço e é, como a própria banda, sincera de maneira brutal e brilhante.

* Lívio Vilela/bloody pop