quarta-feira, 24 de março de 2010

“Superguidis” é um baita disco, e deve crescer horrores no palco

A síndrome do terceiro disco. Você já ouviu falar disso, certo? É mais ou menos assim: uns moleques se juntam, começam a tocar de farra, compõe uma série de músicas pelo prazer de compor e, então, gravam um disco. Depois outro. Aquelas músicas compostas despretensiosamente preenchem esses dois primeiros álbuns, e então a banda chega ao terceiro disco com a obrigação de compor material novo.

Muitas coisas entram na equação de um terceiro disco. Há profissionalismo agora. Há a expectativa (pessoal e pública). E há a convivência com a indústria, com os estúdios, com os shows, com os festivais, com os novos equipamentos. A rotina deixou de ser aquela do moleque que ia pra escola, brincava na rua com os amigos e depois se juntava para tirar um som. A inocência é deixada para trás. Olá, mundo adulto.

“Superguidis”, o terceiro disco da melhor banda sulista do rock brasileiro nos últimos anos, tem um pouco disso tudo, mas transpira inquietação, tristeza. As guitarras, marca registrada do quarteto, continuam altas e afiadas, mas as letras ficaram menos… pegajosas, diretas, irônicas. Algumas canções de “A Amarga Sinfonia de Um Superstar”, o segundo disco, já apontavam nessa direção, mas aqui tudo fica mais claro, ou, dependendo do ponto de vista, turvo.

Não a toa, na entrevista que você leu acima, Lucas Pocamacha fala em Tom Waits sete vezes. E também em arranjos de cordas. O rock adolescente dos dois primeiros discos começa a soar mais sério (e, não sei por que, me lembra “In Utero”, do Nirvana) no “Terceirão”, e a banda enfrenta a síndrome do terceiro disco jogando no colo do ouvinte canções poderosas para se ouvir, ouvir e ouvir. E não enjoar.

A bonita “Roger Waters” abre o disco de forma bundona, para usar uma definição de Lucas, com melodia lenta, um dedinho de órgão, cordas, e uma melancolia característica de quem aceitou que, enfim, “as coisas quase sempre acabam”. É um susto para quem esperava um esporro abrindo o disco, e mostra maturidade do quarteto. Emenda com “Não Fosse o Bom Humor”, que soa como “Mais Um Dia de Cão” em versão raivosa.

As músicas se alternam e o que se percebe de imediato é que as guitarras estão soando muito melhores. As letras, reflexivas, afastam um pouco o ouvinte imediato que saiu assoviando “Malevolosidade” e “Spiral Arco-Iris” na primeira audição. “Superguidis” é um passo a frente, um grande álbum, mas ainda assim deixa interrogações. Para onde vai o quarteto do Guaíba nos próximos discos? O que vem pela frente?

Dessa forma, a questão da síndrome do terceiro disco é deixada de lado. “Superguidis” é um grande álbum, mas soa como se fosse um disco de transição, como se a banda tivesse abrindo caminho para o quarto álbum, e este sim talvez seja “o” definitivo. A divisão da tarefa de composição entre Andrio e Lucas lembra Amarante e Camelo. Você nota quem compôs o que, e como isso funciona na química do grupo e o (trans)forma.

Tudo isso deixa o futuro em aberto. Se você está preocupado com o presente, acalme-se: “Superguidis” é um baita disco, e deve crescer horrores no palco, local que a banda domina. Porém, há uma cicatriz na alma do álbum que pede atenção e expectativa. É um pequeno detalhe que poderá passar despercebido, uma incomodação que pode render algo… clássico. Mas falamos disso no ano que vem. Agora, vale cantar/gritar: “Por que será que sempre chove toda vez que alguém te abandona?”.

* Marcelo Costa/Scream & Yell.

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