domingo, 28 de março de 2010

Superguidis 3, "um registro do mundo"

Eu sou chato.

Isso é um fato. Ou você amigável leitor acha que eu tenho un blog, podcast, rádio na internet, flickr, twitter e escrevo compulsivamente por horas durante o dia por que sou uma pessoa cheia de convívio social...

Aspergiano que sou meu convívio é zero e meio, e as pessoas que passam algum tempo ao lado de minha presença tendem a me considerar desagradável. Eu e Morgan Freeman...

E eu não sou um cara legal que faz papel de chato, eu sou realmente um pé no saco. Seja pelas convicções levadas ao pé da letra, seja pela falta de sorrisos fáceis ou pela ranzinice e má vontade com música nacional...

Confesso eu não gosto, não me cai bem nos ouvidos ouvir palavras em português sendo cantadas em três acordes. As únicas bandas nacionais que foram capazes de me fazer gostar um pouco do chamado rock nacional foram Os Mutantes (em preto e branco), Paralamas do Sucesso, Cachorro Grande, Black Drowing Chalks, Forgotten Boys (esses dois ainda quase não podemos contar porque a maioria das músicas são cantadas em inglês), Holger (que também se encaixa nos parenteses ao lado), Tom Zé (porque ele é punk sim senhor....) e o Ultraje à Rigor, porque toda a bandinha indie que faz letras engraçadas tipo Fratellis tem um pouco de Roger Rocha Moreira correndo nas veias. Mais nada...

Mais nada a não ser a última leva de cérebro que assolou o país com Chico Science, Mundo Livre, Raimundos (em preto e branco) e Planet Hemp.

E é mais nada mesmo. Não me venha com essas bandas de hoje em dia que aparecem nos canais de clips cuspindo água mineral Evian para cima e se dizendo hardcores. Essa embalagem feita de franjas desconexas que tem a rebeldia de meninão criado com a avó em apartamento de Alphaville. Não desce esse tipo de som igual que todas as bandas de rock nacional andam fazendo, muito menos todos os pretensos medalhões nacionais. Eu não gosto de NxZero, não gosto de Fresno, não gosto de Cine. Eu não gosto de padre, não gosto de madre e eu não gosto de frei. Nada dessas bandas que carregam multidões em feiras agropecuárias, nada que ganha revelação ou aposta na MTV me faz perder trinta segundos do meu tempo. Para mim é tudo embalado em rebeldia que não existe, em acordes chupados de bandas gringas que são tão ruins quanto essas. Tudo é muito igual, o choro é vazio e a fúria termina onde começam os flashes da revista Caras. E não me venha dizer que os Los Hermanos são originais porque eles também não são. Procure Cartola, Tom Jobim, Radiohead, Pavement e depois se você escrever uma música pode mandar para os barbudos e pode ter certeza que eles gravam.

Duvida? Escuta Paquetá do disco 4 e Nothern Lights do Super Furry Animals, e me diz...

Mas eu sou chato, ranzinza, tendencioso com aquilo que gosto, mas eu não vou te obrigar a ler esse blog, muito menos a gostar do que eu gosto. Porque se não você não seria você.

E não é que ontem no meio da madrugada, ou quase em uma calada da noite aconteceu quase que um milagre, ou se você preferir meu nervoso e brasilianista leitor eu queimei minha língua

Palavras em português soaram familiares e de uma maneira estranha me peguei prestando atenção em uma coisa que jamais imaginei fazer de novo: prestar atenção em uma banda nacional.

E eu já tive esse relance antes quando ouvi Garotas Suecas e Móveis Coloniais. Essa sensação boa de finalmente ter encontrado alguma coisa com que se identificar na sua terra natal. Eu amo rock inglês, mas eu não sou de lá. Não nasci em Penny Lane ou vi os Strawberry Fields passando debaixo dos meus pés. Não tomo chá das quatro e moro em São Paulo perto da Rua Alba, não tem Abbey Road aqui, apenas uma faixa de pedestres circundada por barraquinhas de ambulantes, um banco e um supermercado popular. Quando minha mãe me pariu ela o fez no Brasil, e aqui muitas vezes as bandas de rock nacional não conseguem fazer com que eu me sinta nascido nas ex terras lusitanas.

Esses acordes podres e funestos ou ainda qualquer revisitada no rock feita pelos gênios da mpb me parecem além de forçada muito chata. Odeiiiiooooooo você...

Mesmo porque não existe rock em dizer que você foi mó rata comigo.

Mas...

O SUPERGUIDIS, é uma banda gaúcha. Eu já torceria o nariz de cara porque o Humberto Gessinger também é de lá e ele é outra coisa que me desce mal. Mas minha ranzinice não chegou nem sequer a pensar nessa relação, porque fui tragado por entre sons britadeirísticos, mas ao mesmo tempo de uma beleza mostruosa. E isso aconteceu desde as primeiras notas de ROGER WATERS, música que abre o disco homônimo da banda que vazou ontem.

E chega até ser engraçado porque, em momento algum eu escutei o disco como se fosse um disco de rock nacional. Muito menos como se fosse uma cópia de algum lançamento hypado dentro do mundo "muderninho" feito pelos estrangeiros. Antes de mais anda o som da banda tem uma universalidade que mesmo cantada em português não faz diferença nenhuma. Quando a entrada de NÃO FOSSE O BOM HUMOR começa você sabe que já ouviu aqueles acordes em algum lugar, mas a música tem um poder tão grande e notas tão pesadamente vitais que são capazes de despertar um sorriso em alguém tão chato quanto eu. Não importa a língua, as referências são tão boas e necessárias que seu cérebro agradece.

Não sei se é pelo fato da banda ter seus pedais de efeito feitos por Lucas Pocamancha o guitarrista da banda que faz engenharia elétrica, mas o som do Superguidis (uma marca de tênis antiga) tem nuances que te dão essa sensação de conforto. Não um conforto pelo caminho da mesmice, mas sim por conseguir te fazer sentir que seu mundo respira notas em formas de oxigênio puro mas sem o maléfica oxidação de células. Escutar VISÃO ALÉM DO ALCANÇE é sentir-se em casa e perceber que quanto mais simples as letras mais seu coração entende como deve bater.
AS CAMISETAS tem uma característica que nesse disco é presente. Riffs que poderiam se encaixar em uma mesmice perigosa tem notas estratégicas que saem do comum. É rápida e do tamanho certo para te fazer olhar para o lado sem torcer o nariz.

QUANDO SE É VIDRAÇA tem guitarras matadoras. Riffs grudentos e batidas secas, palavras que não possuem rimas gratuitas e isso é uma coisa boa. Quando se quer muita rima o rock parece outra coisa que não ele mesmo. Mas a banda por não buscar as letras com toques de aula do professor Pasquale faz com que suas letras sejam além de assoviáveis ao extremo de uma beleza singela e mortal.

FÃ CLUBE ADOLESCENTE é exatamente isso. Talvez a mais descartável do disco, porque soa como a tentativa do Weezer de fazer algo mais popular. Mas como a música é rápida então nada se perde, apenas se transforma. E a introdução da música DE MUDANÇA mostra isso. De letra cinematográfica contando uma história de despedida e redenção com uma melodia que aos poucos vai se tornando um campo límpido e calmo por entre ventania forte de verão. Mas o grande lance desse som são os entrecantos proporcionados pela guitarra distorcida na medida certa.

CASABLANCA volta ao peso direto. Se as letras dos Arctic Mnkeys são confessionais, a prosa do Superguidis também é. Bem encaixada com uma pequena nota de fúria, simples e perfeita.

O USUAL, outra balada que tens tons gravados em pedra, muito pela letra da música. Terminar uma frase de música com as palavras o usual não é coisa de amadores. Para um fim de tarde sentado nos trilhos e fumando um cigarro, pensando em qualquer polaróide de vida.

NOVA COMPLETA e AOS MEUS AMIGOS formam um final de disco como a muito tempo eu não ouvia. A primeira novamente entra por terrenos mais calmos como se as guitarras carregasem a música nas mãos e a bateria fosse abrindo o caminho. Novamente a diferença se faz pelos solos inteligentes e não previsíveis.

A segunda caberia em qualquer coletânea de revista gringa, se igualando a trabalhos de bandas como o Bombay Bicycle Club ou o Dead Cab For Cutie. Passadas distorcidas e climas duplos e mais uma vez a letra é o diferencial, por não buscar o enfeite vazio. Simplicidade mesmo nos arranjos de violinos que fecham o disco do mesmo jeito que no início com Roger Waters. Uma volta completa, um ciclo cercado de frases e sons que te fazem esquecer que existem fronteiras e que sim, a beleza da música é universal.

Superguidis conseguiu uma proeza, fazer com que eu escutasse um disco nacional por mais de uma vez. Mas ele transcende o rótulo de rock nacional, pode-se dizer sem medo de errar que esse registro é do mundo.

Identificação precisa com sua terra, com seu peito e seu ventrículo esquerdo.

* Fabio Navarro é editor do blog Gangrena Diária, onde foi publicado originalmente o texto acima.

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